Todas as terças pela manhã cerca de 4.000 pessoas aglomeram-se em um galpão de 12 mil m² no Brás, região central de São Paulo.
No
altar, um orador mulato, de 1,90 metro e 92 quilos, anuncia: "Aqui tem
milagre. O paralítico que saiu andando da cadeira de rodas. O cego que
começou a enxergar. Aids, câncer. Tudo que na UTI não tiver mais jeito,
aqui tem".
O
culto, com cinco horas de duração, é transmitido ao vivo pelo Canal 21,
em UHF. "Neste mês, nossa meta é reunir 100 mil pessoas que pagarão o
dízimo de R$ 200. Pagar o dízimo faz parte da aliança entre você e
Deus."
O
orador é o apóstolo Valdemiro Santiago, 48. Ex-bispo da Igreja
Universal do Reino de Deus, ele rompeu em 1997 com Edir Macedo para
abrir sua própria denominação, a Igreja Mundial do Poder de Deus. A
briga entre os dois esquentou recentemente, em um vale-tudo televisivo.
Macedo
associou a Mundial ao demônio, e exibiu na Record reportagem sobre a
compra de fazendas avaliadas em R$ 50 milhões com dinheiro da igreja.
Valdemiro apareceu dizendo que Macedo tem um câncer, que seria uma obra
do diabo.
A
Mundial é hoje a maior concorrente da Universal. Conta com 3.200
templos pelo Brasil - a Universal tem 5.000 - e a mais extensa
cobertura televisiva entre evangélicos. Só no Canal 21, são 23 horas de
programação, além das duas horas diárias na Rede TV! e quatro na Band.
Um gasto mensal de R$ 35 milhões em mídia.
É
a igreja neopentecostal que mais cresce no país. Estima-se que 30% dos
fiéis vieram da Universal, além de pastores atraídos pela expectativa
de maior remuneração. O "modelo de negócios" é o mesmo: televisão e
dízimos. A diferença está na ênfase milagreira da Mundial.
Exorcismos
e sinais de prodígio também fazem parte dos cultos da Universal. Mas,
com a institucionalização da igreja, muito menos que antigamente. O
público se sofisticou, de certo modo, abrindo um filão para a Mundial.
"Há
enfermidades que são para a ciência e outras que são para serem
tratadas espiritualmente. Embora Deus possa curar todas elas", teoriza
Santiago. "Sou um executivo das almas. Através de minha oração, Deus já
curou muitas doenças incuráveis pelo recurso da ciência."
A
simples imposição de suas mãos sobre a cabeça dos fiéis supostamente
teria o poder da cura. Assim como a toalha que ele utiliza para remover
o suor do rosto.
Na
coleção de livros e DVDs escritos ou protagonizados por ele --somados,
venderam respectivamente 4,3 milhões e 4 milhões de unidades --,
destaca-se a narrativa sobre um naufrágio no mar de Moçambique em 1996.
Segundo
seu relato, Santiago estava a serviço da Universal na África e saíra
para pescar com outros três fiéis. Mas o barco teria sido sabotado e
naufragou a 20 km da costa.
O
apóstolo, com 153 quilos à época, conta que enfrentou círculos de
tubarões. Mas que, por força da fé, nadou sete horas e meia até uma
praia, onde foi recebido por dois anjos.
Citando
o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, o professor de sociologia da
religião da USP Flávio Pierucci interpreta o sucesso de Santiago: "Quem
o procura já chega sugestionado. Os milagres acontecem, mas só para
quem acredita. Não curam o mal, mas podem curar a sensação de dor", diz
o professor, acrescentando que a oferta de serviços mágico-religiosos é
antiga no país e praticada por diversas fés.
Mas
Pierucci chama a atenção para a instrumentalização dos prodígios: "A
Aids não tem cura. Anunciar uma coisa que não é verdadeira utilizando
provas duvidosas constitui estelionato".
Mineiro
de uma família com 12 irmãos, Santiago conta que viveu nas ruas de Juiz
de Fora dos 12 aos 14 anos. Bebia e usava drogas. Ex-lavrador e
pedreiro, não concluiu o ensino médio. "Li poucos livros além da Bíblia. Os livros me ensinam, mas sempre parcialmente. Só a Bíblia tem sua totalidade."
Para
Ronaldo Didini, ex-integrante da cúpula da Universal e hoje responsável
pela expansão internacional da Mundial, a chave do sucesso está na
origem humilde: "Como Lula, ele tem carisma e fala a língua do povo.
Ele não busca a sofisticação".
Foi
na Universal que ele conheceu a mulher Franciléia, obreira e hoje bispa
da Mundial. O casal tem duas filhas e, quando está em São Paulo, fica
num condomínio de luxo em Barueri (Grande SP).
Tem
na garagem três carros importados blindados. As viagens para a fazenda
em Mato Grosso são feitas em um jato particular. "Não sei se você já
percebeu, mas eu tenho recursos. Dá pra comprar um bezerrinho não dá?",
diz ele. Informações da Folha de São Paulo.